Bumbum baticundum bumburundum! E tome cuíca, surdo, caixa, reco-reco e cavaquinho. Bundas ao léu, tapa-sexos minúsculos e sensuais, coxas com circunferências e brilhos diversos, peitões com mamilos em todas as cores do espectro.

Bundas nuas e incontroláveis. Baianas nativas e importadas. Bateria contagiante com a rainha esculpida na química da massa corrida e pela precisão de um bisturi amigo. O interminável samba enredo igual àquele do ano passado com versos de rimas em glória história memória, refrão de lá lá lás, ão ão ãos e ô ô ôs, composto e burilado durante um ano, com muito sacrifício, a doze mãos.

E assim a escola vai ganhando corpo no desfile. Colorida, alegre, vibrante. O ritmo no pé e o requebrado no corpo das passistas de todas as idades, sem preconceitos, sem limites. Democracia plena e absoluta. Alegria geral e irrestrita. O samba pedindo passagem na avenida e a beleza implorando na telinha com o tema “O país que chafurda na lama – 500 anos de histórias mal contadas”.

E já vem abrindo o desfile a ala “Saidinha de Banco”. Os componentes com seus celulares coloridos por onde recebem valiosas dicas (sabe-se lá de quem, né?), capacetes salpicados de purpurina e revólveres de isopor: adereços que embelezam a espetacular coreografia onde o fator surpresa é fundamental para abordar os incautos na porta do banco. Apreciem agora o gingado dos passistas da ala “Sequestro Relâmpago” que, em movimentos precisos, exibem a tranquilidade com que rendem e mantém suas vítimas cativas. As duas alas originalíssimas. Perfeitas. Nota 10 nos quesitos Insegurança e Impunidade.

A seguir, em rápida evolução, surge a ala “Políticos Meio-a-Meio”: vêm pulando miudinho, usando surradas máscaras “Caras de Pau” de velhos carnavais e trajando, sem vergonhas, honestos paletós e gravatas nas cores verde, amarela, azul e branca da escola. Mapinha do Brasil na lapela. Todos muito afinados, cantando em uníssono o estribilho do samba-enredo:

“Não devo nada a ninguém, isso é pura perseguição, ô ô ô!

Se eu cair levo você também, pois aqui tem delação, ô ô ô!”

Que empolgação! Chega a arrepiar. Nota 10 nos quesitos Desfaçatez e Desonestidade.

Enquanto a bateria vai para o recuo aparece nua e crua a ala mais aguardada da madrugada: “Os Miseráveis”. Todos famintos, esfarrapados e sujos mendigando defronte ao bumbumbum do repinique e sambando com muito entusiasmo. As vestes deslumbrantes e tétricas, com seus tons em verde de fome, vermelho de  raiva e amarelo de vergonha, representam os viciados em crack perambulando para lá e para cá com seus cachimbos iluminados; recém-nascidos abandonados em sacos de lixo em lagoas; presidiários em cárceres lotados e bandidos na fila de espera; náufragos com água pelas cinturas fugindo das enchentes anuais; gente desmoronando junto com cortiços inteiros; equilibristas sem tostão balançando na corda bamba; doentes, moribundos e cadáveres nas filas dos hospitais públicos; carradas de sem-teto, de sem-terra, de sem-escola, sem-saúde, de sem-nada. É fantástico! O maior espetáculo da terra, minha gente, é aqui. Nota 10 nos quesitos Arrecadação, Roubalheira e Cinismo.

É pena… mas agora a escola de verdade segue para a dispersão. A voz do puxador morrendo junto com o último toque do surdo, com o último lamento da cuíca, com as últimas esperanças. Um amontoado de gente sem nome nem endereço caminhando triste e espremida num longo corredor.

Impressionante! Tão real, tão cruel, tão comovente que nem parece a mais pura fantasia.

Agliberto Cerqueira
Publicitário pelo Instituto Metodista, aprendiz de farmácia na infância, executivo da indústria automobilística, diretor de agência de promoção e consultor na área de comunicação e marketing. Em 2006 publicou o livro de contos "O quá quá quá do cisne preto - Um passeio ao som do rádio". Quando não está em consultoria e nem pagando imposto, lê muito, escreve quando possível e toca violão.
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