Há uns dois meses me apareceu essa dor, assim do nada. De repente chegou sem avisar e passou a doer. Pra caramba!

Mas não se trata daquela dor que você pode estar pensando, aquela relativa ao cotovelo, mas que de verdade dói na alma, por dentro do peito e, às vezes, chega a doer até nos olhos transformando-se em lágrimas quando é mais profunda e aguda. Não, não é dessa que falo. Essa minha doeu mesmo no cotovelo, na junta, no meio daquela dobradiça complexa forrada de músculos, cartilagens, tendões e ossos que temos entre o braço e o antebraço. Dor física.

E lá fui eu atrás de conserto para a minha dor pois, ainda que possamos atirar com precisão um míssel nuclear de longa distância para abater pessoas do outro lado da terra, não temos a possibilidade de ir até à loja da esquina para comprar e instalar um cotovelo novo. E começou o meu périplo: consulta, raio X e ultrassom. Diagnóstico: lesão muscular e inflamação. Solução: anti-inflamatórios, fisioterapia e exercícios. Tomei os comprimidos e o esperado aconteceu: a dor sumiu. Parei de tomar e ela voltou. Fiquei só com a fisioterapia e os exercícios pois, além de não me provocar azia, os resultados começaram a aparecer. O tratamento é longo, mas tem suas compensações: é divertido.

Como há muito tempo eu andava longe dessa seara havia me esquecido do aparato tecnológico disponível: ondas curtas para aquecer e desinflamar; choquinhos que ficam tremelicando por cima da pele e vão conversar com a dor lá nos cafundós do cotovelo; ultrassom gelatinoso, parecido com aquele de ver bebê, com alto poder infiltrante e que você não enxerga o que está acontecendo mas imagina que está acontecendo alguma coisa e, ainda por cima, é um carinho bom que vai e vem, vai e vem. E mais uma série de alongamentos, exercícios apertando bolinha de borracha e uma disputa nervosa num tipo de braço de ferro com uma tira de elástico num jogo em que nunca há um vencedor.

Mas o mais bacana da fisioterapia são as pessoas que aparecem por lá. Gente de todo tipo, de todas as idades (principalmente da melhor idade), com uma gama enorme de dores e variados assuntos. Sim, porque além da dor física, da contusão localizada, da fadiga de material, todos têm algo para contar e, na maioria dos casos, são desabafos, relatos sobre as dores da alma ou dor de cotovelo daquela original. E enquanto sozinho no meu cubículo, o choquinho beliscando a carne e as ondas curtas aquecendo a esquina entre o úmero e o rádio, vou ouvindo as vozes brotando nas outras saletas como se fossem olhos d’água: algumas murmuradas e contidas, outras vibrantes e impulsivas.

E jorram histórias: casos de amor no meio de resignações de pais e mães cujos filhos já bateram asas. Vovós tropeçando nas saudades dos netos. Adolescentes com os ossos colados lamentando o final de semana de molho. Planos para o futuro. Aulas de inglês. Receitas e truques culinários.

Cremes para a pele. O capítulo da novela. A falta de dinheiro. Piadas. Trânsito. Risos. Viagens inesquecíveis. Toques de celular. Tempo e temperatura. E até assuntos mais íntimos, inexpugnáveis, cochichados ao pé do ouvido.

E nesses momentos a nossa fisioterapeuta, extrapolando sua função, se transforma em muitas: passa a ser aconselhadora, terapeuta de casais, psiquiatra de vovós; mãe, irmã, filha e amiga. Corre de um lado para o outro comandando os equipamentos, controlando choques e calores, fiscalizando os exercícios, aliviando-nos das dores físicas enquanto seus ouvidos vão absorvendo as dores mais íntimas, aquelas do coração. E acho que essa atenção, esse afeto, ajuda a maioria dos contundidos porque, no fundo, também é uma questão de carência humana: todos nós precisamos de uma palavra de conforto, de um ombro amigo, de jogar fora uma conversa quem sabe junto com a própria dor.

Bem, eu continuo com o meu tratamento que decerto ainda vai longe apesar do esforço que venho fazendo para recuperar meu cotovelo e vencer a dor encalacrada dentro dele. Obedeço a fisioterapeuta com a disciplina de aluno de parquinho e sigo a tecnologia e os exercícios como um sacerdócio. Meu bíceps, tríceps, nervos e ossos do braço direito estão ficando cada vez mais fortes e resistentes. Minha mão já parece um alicate. Qualquer dia, com todo esse progresso, ainda estouro a bolinha de borracha ou arranco fora a barra de ferro onde fica amarrado o elástico invencível. Questão de tempo.

Acima de tudo conforta-me a certeza de que a minha dor física, mais dia, menos dia, vai embora assim como chegou. Porém, as outras, aquelas dores mais intrincadas, aquelas que vivem há tempos no fundo da alma, sei que nunca vão desaparecer.

Agliberto Cerqueira
Publicitário pelo Instituto Metodista, aprendiz de farmácia na infância, executivo da indústria automobilística, diretor de agência de promoção e consultor na área de comunicação e marketing. Em 2006 publicou o livro de contos "O quá quá quá do cisne preto - Um passeio ao som do rádio". Quando não está em consultoria e nem pagando imposto, lê muito, escreve quando possível e toca violão.
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