Doce de laranja, coisa de avó, que resolveu fazer, ela desatou a ter saudades.

Saudades de uma certa fazendinha das Cigarras, onde ainda mais menina que mulher foi começar a vida com o homem amado, o escolhido, ou sabe-se lá, o predestinado.

De lá, formou sua família, feliz, unida, alegre, despretensiosamente vivendo uma vida toda sua.

E o coração começou a soltar sem ela se dar conta, tudo o que a memória aprisionou no tempo.

E veio o cheiro da goiabada no tacho de cobre, mexido no fogão de lenha, com a pá comprida que seu amor fez para que não queimasse os braços.

Doce é bom, mas espirra… como veem nada é realmente perfeito.

Quem a escuta contar estas histórias de amor sempre acompanhadas de cheiro de comida boa, conversa em volta à mesa, há de pensar que isto é coisa de antigamente.

De certa forma, é mesmo, pois foi no século passado, embora esteja tudo aí mesmo, armazenado como se fosse um minuto atrás.

Mas, a verdade é que ela morava modernamente bem.

A casa de campo era linda, sombreada de grevilhas, sibipirunas, flamboyants, “acácias paralelas todas elas belas”, espatódias com flores alaranjadas, cigarras anunciando o verão nas seringueiras gigantes, onde havia o balanço de seus filhos.

Ela os balançava e dizia:

Encolha os pés, senão bate nas nuvens e chove… a linda neneca recolhia os pezinhos e seus olhos verdes faiscavam.

Ela sempre perdeu seu tempo com seus filhos, contava-lhes histórias já existentes e inventadas.

Isto fez dela uma escritora, e deles ótimos leitores.

Quando soube que ia passar um cometa, acordava toda madrugada para que seu filho mais velho o visse.

O cometa não passou, virou rastro e poeira de estrela, mas fez maravilhas no imaginário do menino.

Voltando à modernidade da vida e da casa, ela gostava de fazer seus doces à moda antiga. Isso era coisa dela.

Contrariando o marido que não se agradava de vê-la trabalhar, sentenciando pra quem frequentava a casa.

Não quero meu bem trabalhando, mulher cansada não sabe amar!

Era bonito de ver e perceber um amor assim tão lindo.

Como vamos entrar no outono, sua estação preferida, ela costuma ficar assim cheia de dengos saudosos.

Bendito doce, com cheiro de cravo, canela e carregado de carinho, fê-la hoje antecipar sentimentos.

Acabou por fazer um bife acebolado sem se importar nadica de nada, com a sujeira inevitável na cozinha.

A casa encheu-se de cheiros antigos e queridos.

Seu netinho gostou do “papá” gostoso, com gosto que só casa de vovó tem, adorou o bolo na forma redonda com buraco no meio e dormiu feliz por estar sendo acarinhado pela vovó.

Talvez na sua especificidade de menino especial, ele tenha captado alguma coisa no ar, coisa esta que lhe fez feliz e ao deitar-se beijou-lhe o rosto e disse:

– Vovó você é linda! Te amo! E juntou os dedinhos arredondando num coraçãozinho.

Ô coisa boa!

Ercília Pollice
Ercília Ferraz de Arruda Pollice reside em Campinas, é formada em Letras pela USC – Bauru, bacharel em Literatura Portuguesa. Escritora, conta com 10 livros publicados, entre eles livros infantis e juvenis, além de inúmeras crônicas e poemas. Integra a Academia Campineira de Letras e Artes e Academia Bauruense de Letras. Foi indicada para o Prêmio Jabuti pela autoria do livro infanto–juvenil “Só, de vez em quando” da Editora FTD. Ercília também é artista plástica catalogada no Cat. Júlio Lousada. Aquarelista, já realizou dezenas de exposições individuais e coletivas em diversos salões e galerias, inclusive em Paris. Alegre, de bem com a vida, adora relacionar-se. Sua preferência é escrever sobre relacionamentos em todas as áreas e níveis. Também tem uma queda por comentar fatos políticos e suas implicações, sempre com bom humor e alguma ironia. Poeta, fala só do amor. Quando escreve faz pinturas de palavras, sua arma maior. Quando pinta faz poemas de cores. Tem 3 filhos, escreveu vários livros e já plantou centenas de árvores. Agora, é desfrutar os bons momentos que a vida sempre oferece àqueles que tem olhos e ouvidos para ouvir e entender estrelas.
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