É muito comum observar crianças e adolescentes adoecidos, confusos, e/ou melancólicos quando convivem rotineiramente com o conflito aberto ou velado entre seus pais.

Isso fica ainda mais evidente no momento em que estes ingressam em um processo litigioso ou ainda na disputa pela guarda.

Embora a briga seja muitas vezes motivada pelo desejo e/de “posse” da criança, não é isso que se percebe quando se está diante de uma história escrita em um processo judicial, e, principalmente, quando se escuta e se esmiúça tecnicamente a dinâmica familiar dos envolvidos.

O que se observa é que durante essa disputa a criança é na maioria das vezes, pasmem, a última a ser de fato percebida pelos próprios pais, no sentido emocional, embora seja dito o contrário, tamanha a briga narcísica parental em meio a muito barulho e dispersão. Esses pais estão sofrendo tanto que não podem perceber o estrago que geram.

Escutar essas famílias requer habilidade, sensibilidade e destreza, pois não se busca culpado; e sim o sentido de responsabilização de cada um dos envolvidos pela situação ter chegado ao momento atual; além disso, preservar o melhor interesse da criança e/ou adolescente.

Cabe assinalar que as animosidades veladas tanto quanto as discussões abertas são amplamente sentidas pelas crianças, mesmo que elas não tenham visto ou nada tenha sido dito a elas, existe o inconsciente.

É muito comum observar que alguns adultos ignoram a vida mental de uma criança, ou seja, acreditam verdadeiramente que ela não percebe o que ocorre em seu entorno familiar.

A criança tudo vê e sente, apenas não pode compreender o que está ocorrendo ou nomear. E diante desse cenário a criança irá sentir medo, angústia e poderá ficar mais ansiosa, mais aflita, sentir-se abandonada ou ameaçada de abandono, e muitas outras sensações que podem ser potencializadas a partir de um lar confuso e caótico, consequência da inabilidade parental para lidar com os conflitos.

Essa é a grande dificuldade da criança, a incompetência psíquica devido a um ego incipiente ou principiante. A tarefa de ajudar a criança a decodificar e organizar dentro dela própria aquilo que colhe através de sua percepção é uma das funções dos pais, isto é, ajudá-la a compreender o que vê, o que sente, o que experimenta.

Ocorre que dotadas de inteligência, da percepção do clima emocional familiar e, principalmente, de seu inconsciente, essas crianças captam a animosidade como pequenas esponjas. Isto quer dizer que as sensações, os sentimentos, as ideias ficam arquivadas no mundo mental da criança e certamente em algum momento da vida poderão eclodir.

A experiência em perícia psicológica revela muitas vezes a decadência da parentalidade positiva baseada na confiança e segurança para a criança, ainda que seja essa a única forma de relação que esse ex-casal, agora somente pais, deveria ter. Encaminhar a criança é dar a ela uma chance de ser escutada como sujeito em seu conflito íntimo separado do conflito dos pais. É dar a ela a possibilidade de pensar, de questionar, de entrar em contato com seu mundo emocional e a partir disso se fortalecer psiquicamente para que o conflito parental não a fragilize ou a incapacite.

Para uma criança compreender que seus pais, aquelas pessoas que deveriam ser de sua confiança plena e restrita, e por isso seriam os responsáveis pelo zelo e proteção, divergem a tal ponto que um deles deve ter o convívio restringido, é bastante complexo para o pequeno mundo infantil. A criança simplesmente não possui condição psíquica para essa compreensão.

Ela fica mobilizada com a situação dos pais e dela própria, imobilizada emocionalmente e sem parâmetro quando seu duplo referencial, pai e mãe, falha nessa função parental; isso a deixa simplesmente à deriva, sem comandante no navio.

É pensando por esse viés que a escuta clínica de um psicanalista ou psicólogo que tenha também compreensão da psicologia jurídica poderá ser de grande alívio emocional para o desenvolvimento psíquico dessas crianças, favorecendo a saúde mental e dando uma nova chance para o crescimento mais saudável e com novas alternativas. Refiro-me à relação parental. Nota-se que a quebra do contrato conjugal pode levar junto a possibilidade de uma boa relação entre os pais em benefício da prole. Abrindo uma possibilidade nua e crua de ruína das funções parentais e isso é terrível para os filhos.

É na tentativa de evitar uma maior mistura dessas relações e dessas funções, bem como minimizar conflitos e otimizar o diálogo, que pode ser utilizado o encaminhamento de crianças e adolescentes, que estejam passando por processos de perícia psicológica, quando estes são motivo de disputa, a acompanhamento com o psicólogo clínico ou psicanalista. O próprio magistrado, muitas vezes em um lugar, digamos, paterno, pode fazer o encaminhamento. Repare que com essa ação abre-se uma oportunidade de colocar essa criança em terapia com orientação aos pais.


Renata Bento é psicanalista e psicóloga. Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Membro da International Psychoanalytical Association – UK.Membro da Federación Psicoanalítica de América Latina – Fepal. Especialização em Psicologia clínica com criança PUC-RJ. Perita ad hoc do TJ/Rj – RJ. Assistente Técnica em processo judicial.

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