Se você tem orgulho de dizer que é uma pessoa noturna, que prefere viver e fazer as coisas quando o sol já se pôs, aqui vai uma má notícia: de acordo com um novo estudo, pessoas que se identificam como “noturnas” têm um maior risco de contrair diabetes, problemas psicológicos e de morrer mais cedo.

O estudo, publicado na revista Chronobiology International, rastreou quase meio milhão de adultos no Reino Unido durante uma média de seis anos e meio. Os pesquisadores descobriram que aquelas pessoas que diziam ter hábitos noturnos no início do estudo tiveram um aumento de 10% no risco de mortalidade por todas as causas em comparação com pessoas matutinas.

Segundo o estudo, quem vive à noite tem mais chances de ter diabetes, distúrbios neurológicos, distúrbios psicológicos, distúrbios gastrointestinais e respiratórios. “O que achamos que pode estar acontecendo é que há um problema para as ‘corujas da noite’ que estão tentando viver no mundo da ‘cotovia da manhã’. Esse descompasso entre o relógio interno e o mundo externo pode levar a problemas para sua saúde a longo prazo, especialmente se o cronograma for irregular”, aponta Kristen Knutson, professora de neurologia da Feinberg School of Medicine, da Universidade de Northwestern, nos EUA, e principal autora do estudo.

“Trabalhos anteriores mostraram que pessoas noturnas tendem a ter piores perfis de saúde, incluindo diabetes e doenças cardíacas, mas este é realmente o primeiro estudo a analisar a mortalidade”, acrescenta.

Os pesquisadores utilizaram dados do United Kingdom Biobank, um grande estudo realizado entre 2006 e 2010 que investigou os fatores de risco para as principais doenças em homens e mulheres de 37 a 73 anos de idade. Para avaliar seu ritmo circadiano natural, o período de cerca de 24 horas que influencia no nosso sono, digestão e todo nosso ciclo biológico, também chamado de cronotipo, os participantes foram solicitados a se identificarem como “definitivamente uma pessoa matutina”, “mais uma pessoa matutina do que uma pessoa noturna”, “uma pessoa mais noturna do que matutina” ou “definitivamente uma pessoa noturna”.

Dos 433.268 participantes, aproximadamente 10.000 morreram durante o período de seguimento de seis anos e meio do estudo. Após o controle de fatores como idade, sexo, etnia, índice de massa corporal, tabagismo e duração do sono, os pesquisadores descobriram que aqueles que se identificaram como “definitivamente noturnos” tiveram um aumento de 10% no risco de morte durante o período de acompanhamento em comparação com aqueles que se identificaram como “definitivamente matutinos”.

O risco de morte não foi aumentado para aqueles que se identificaram como “mais matutinos” ou “mais noturnos” em comparação com quem se identificava como sendo uma pessoa da manhã.

Problemas psicológicos

O estudo não investigou quais eram as causas específicas das mortes, embora pesquisas já tenham sugerido que as pessoas noturnas têm maior probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares e certos tipos de câncer, como próstata e câncer de mama. Por isso os especialistas dizem que os resultados precisam ser mais aprofundados. “Esta é apenas uma peça do quebra-cabeça. As descobertas sobre a mortalidade na verdade não foram tão robustas quanto eu esperava. Acho que eles teriam resultados mais fortes se, em vez de apenas olharem para o cronotipo, tivessem olhado para o alinhamento do cronotipo: as pessoas estavam indo dormir na hora certa?”, questiona Jamie Zeitzer, professor de psiquiatria e ciências comportamentais (medicina do sono) da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, que não esteve envolvido na pesquisa.

Além da mortalidade geral, ter uma vida mais noturna estava associado a vários problemas de saúde, como distúrbios psicológicos, neurológicos, gastrointestinais e respiratórios.
A associação foi mais forte para os distúrbios psicológicos: aqueles que se identificaram como “definitivamente noturnos” eram quase duas vezes mais propensos a relatar ter uma doença psicológica do que aqueles que eram “definitivamente matutinos”, descobriu o estudo.

“Definitivamente seria preciso um acompanhamento para ver o que isso significa. Isso é depressão? Isso é ansiedade? Existem fenômenos psicológicos específicos que estão mais ou menos relacionados ao cronotipo, especialmente a disparidade entre o momento adequado do cronotipo e a hora real de dormir?”, sugere Zeitzer.

Um estudo de 2014 também mostrou que aqueles que ficam acordados até tarde tinham menos matéria branca em certas áreas do cérebro, o que está associado à depressão. A matéria branca consiste em projeções nervosas que transmitem e coordenam a comunicação entre diferentes áreas do sistema nervoso.

Diferentes cronotipos

De acordo com Knutson, o cronotipo de uma pessoa é provavelmente uma mistura de fatores hereditários e ambientais.

“Se você é ou não uma pessoa noturna, isso é em parte determinado por seus genes, o que obviamente você não pode mudar”, diz Knutson. Porém, ela também afirma que esta característica não é totalmente imutável. Pessoas que querem dormir mais cedo podem adotar certas estratégias, que incluem o adiantamento gradual de sua hora de dormir e o uso de tecnologia à noite, de acordo com a especialista. “Quero enfatizar o aspecto gradual. Você não pode, de repente, ir para a cama três horas antes. Não vai funcionar”, alerta.

“Você também precisa evitar a luz à noite, incluindo seu smartphone e seus tablets”, acrescenta ela. “Isso não só dificulta adormecer; é também um sinal para o seu relógio interno voltar a ser mais tardio”. Para aqueles que ainda lutam com as manhãs, encontrar um emprego que tenha horários flexíveis ou horas mais consistentes com seu relógio biológico poderia ser uma solução.
“Você pode encontrar um emprego que comece depois, mas isso não é um conselho particularmente útil para muitas pessoas”, aponta Zeitzer.

Knutson acrescenta que os empregadores devem reconhecer que alguns de seus funcionários serão do tipo matutino e outros serão do tipo noturno. “E se as horas de trabalho fossem flexíveis para refletir a preferência do relógio biológico e permitir que os notívagos tivessem um horário de trabalho posterior, isso seria preferível para eles e potencialmente melhor para sua saúde e produtividade se estivessem trabalhando no momento melhor para eles”.

Limitações

Quase 94% dos participantes da pesquisa se identificaram como caucasianos, o que significa que os resultados podem não ser generalizáveis ​​para outras demografias, de acordo com Zeitzer. “É limitado por causa disso”, disse ele. “É forte porque é uma grande amostra de quase meio milhão de pessoas, mas são principalmente caucasianos de ascendência irlandesa ou inglesa”.

“Não é intrinsecamente o cronotipo que é ruim; é o cronotipo mais a nossa sociedade,e nem todas as sociedades são iguais. Se você olhar na Espanha, onde as pessoas vão para o trabalho mais tarde, meu palpite é que as consequências para a saúde são provavelmente menores do que no Reino Unido”, compara Zeitzer.

Outra limitação é que o estudo também se baseou em muitos relatos dos participantes, e não em medidas mais objetivas. Mas o estudo ainda deve ser um alerta para pessoas noturnas, que podem querer fazer esforços extras para manter um estilo de vida saudável.

“Uma mensagem importante aqui é que os notívagos percebam que eles têm esses problemas potenciais de saúde e, portanto, precisam ser mais vigilantes sobre a manutenção de um estilo de vida saudável”, acrescenta Knutson. “Comer bem, exercitar-se, dormir o suficiente – todas essas coisas são importantes, e talvez particularmente para os amantes da noite”.


Hypescience: Por Jéssica Maes

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