Crianças Seletivas: a maioria das pessoas tem alguma restrição em sua dieta. Há aqueles que não gostam de espinafre ou de tomate, e também alguns que preferem não comer carne vermelha. É absolutamente normal que cada pessoa não goste particularmente de algum alimento. Porém, para um grupo de pessoas, a restrição da variedade de alimentos é tão forte que causam um impacto negativo em suas vidas.

75% das crianças brasileiras fazem cara feia para vegetais; 46% dos pequenos não comem no café da manhã e 86% elegem os doces como seus alimentos preferidos. Fatores como esses classificam os brasileirinhos avaliados para o time dos picky eaters (comedores seletivos ou pequenos comedores), termo em inglês que se refere não só a pessoas que rejeitam um grupo de alimentos, mas também àquelas que comem muito pouco, que nunca têm fome ou que pulam refeições.

Embora não existam critérios formais para diagnóstico, e não esteja atualmente incluído no Código Internacional de Doenças, é um distúrbio que se caracteriza pela rejeição a muitos alimentos, ficando a dieta restrita a cerca de 10 tipos de comida, geralmente carboidratos, alimentos ricos em açúcar e os processados. A criança seletiva manifesta a tríade: recusa alimentar, pouco apetite (relatado) e desinteresse pelo alimento. Geralmente há uma grande aversão a frutas, legumes e verduras. Além da restrição alimentar, há uma recusa em experimentar novos alimentos. Os primeiros anos de vida são fundamentais para a construção de hábitos saudáveis a médio e longo prazo. Os pais precisam incentivar os seus filhos dando o exemplo e oferecendo uma boa variedade de alimentos. Quando a criança fala que não gosta do alimento, é aconselhável fazê-lo de outro modo e apresentar cerca de 12 vezes em diferentes momentos, para se concluir que definitivamente, a criança não gosta do que lhe é oferecido.

Quais são as causas desse comportamento?

Os cientistas apontam que há componentes biológicos e psicológicos na etiologia desse transtorno alimentar. Alguns estudos levantam que essas pessoas poderiam ter um paladar muito aguçado, o que provoca essa rejeição a sabores mais fortes; por outro lado, outros estudos mostram que a rejeição a determinados alimentos se dá muito mais por outras vias sensoriais e não pelo gosto, por exemplo, não gostar do cheiro ou da aparência de um alimento. Em relação ao aspecto psicológico, alguns indivíduos podem associar emoções negativas à alguns alimentos, por exemplo, um mal estar físico causado pela comida, como engasgos ou problemas gastrointestinais. As razões desse comportamento são bastante complexas, devido às interações de características familiares e de contextos sociais. Estudo recente sobre o aspecto psicológico da queixa materna “meu filho não come” revela que é impossível apontar por onde começam as dificuldades em termos causais: se nos sentimentos da mãe ou no comportamento da criança.

Quais são os impactos para a saúde da pessoa?

Os impactos se dão em nível físico, psicológico e social. Ao restringir demais a dieta, o paciente pode sofrer deficiência de diversos nutrientes, desencadeando um déficit de crescimento e desenvolvimento. Como a maioria das situações sociais envolve comida (uma festa, um jantar de confraternização, um encontro com amigos), esses eventos se tornam uma fonte de estresse para o indivíduo. Ao evitar a interação social, surge um impacto no campo emocional, deixando a pessoa mais vulnerável a quadros de ansiedade, por exemplo.

Existe tratamento para esse transtorno?

Sim, e começa no consultório médico, quando o pediatra detecta um mal hábito alimentar e encaminha para a nutricionista.

Alguns passos que são tomados dentro do consultório nutricional:

Foco na comida: No horário da refeição, nada de distrações. Desligue televisão, tablets e celulares e o foco é exclusivo na alimentação. Permita que a criança sinta o cheiro do alimento, que toque e tenha uma experiência de descobrimento.

Horário nas refeições: Estipule horários para a alimentação e inclua na rotina da criança. Mesmo não querendo ou não aceitando, repita os rituais de lanche da manhã e lanche da tarde, até ser um hábito e a criança perceber que os adultos não estão cedendo às suas vontades alimentares.

Não substitua alimentos: Se a criança não aceita a refeição, não dê nenhum tipo de alimento para “compensar” o que não foi aceito na alimentação. Nesse quesito, os leites são campeões. Fazendo isso, nunca criaremos novos hábitos alimentares.

As refeições em família devem ser momentos prazerosos, e acontecer de modo regular para que as crianças possam observar outras pessoas consumindo uma variedade de alimentos. É importante que a criança veja a diversidade de opções, cada alimento com suas cores e aromas, para aprender a lidar com suas preferências. Também é fundamental orientar a família e os amigos que o pacientes não está “com frescura”, fazendo isso de propósito; trata-se de uma real dificuldade, e o comedor seletivo precisa se sentir seguro para tentar algo novo, sem a garantia de que vai gostar. Cada caso de seletividade alimentar tem suas peculiaridades, requer orientação individualizada, segundo as características específicas do paciente, da família e do meio.


Tamara Hamnle é nutricionista especialista em Nutrição Clínica e Nutrição Funcional. Possui cursos de extensão em Nutrição Materno Infantil e Psicologia Clínica também e fez MBA em Gestão de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas e faz parte do grupo de estudos sobre Metabolismo e Obesidade da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

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